ABRH Brasil

 

*Ricardo Voltolini

Não precisa ser futurologista para prever que, ao final da pandemia, todos nós que atuamos em, para ou com empresas, ouviremos falar bastante de sustentabilidade. Não mais num contexto exclusivamente operacional, mas estratégico e cultural. Como um fator determinante para o sucesso nos negócios.

Esta não será, no entanto, a primeira tentativa de protagonismo do conceito no mundo capitalista contemporâneo. Houve quem se animasse com a sua possível valorização, em 2007 ou 2014, quando o Painel de Cientistas do Clima das Nações Unidas anunciou o avanço das mudanças climáticas. Não, a ciência não foi suficiente, naqueles anos, para convencer as empresas a reduzirem suas emissões e produzirem com menos impacto para pessoas e meio ambiente.

Houve também quem acreditasse que uma grave crise econômica global, como a de 2008, abriria espaço para uma revisão no modo convencional de pensar e fazer negócios, estabelecendo um parâmetro mais ético, transparente, íntegro, respeitoso ao ser humano e ao planeta. Não, a roleta russa engendrada pelos agentes de mercado– um emblema da especulação sem escrúpulos– não foi o bastante para uma virada de mesa global. Provocou mudanças pontuais, é verdade. Harvard chegou até a fazer um mea culpa por formar líderes levianos. Mas o tema logo perdeu força, quando deveria ganhar, frente á necessidade de “recuperar” o caixa das empresas e a economia global.

Se em momentos passados, a sustentabilidade não conseguiu confirmar a sua vocação protagonista, por que o faria justamente agora? Porque existe hoje uma combinação de fatores de pressão que não existia doze anos atrás. Na crise de 2008, ao contrário do que se observa hoje, as gerações X e Y (orientadas por propósito), ainda não detinham tanto poder econômico e de influência; Larry Fink, da BlackRock, e os demais grandes investidores não enxergavam riscos e oportunidades socioambientais para a gestão dos seus ativos, e os capitalistas do Fórum Econômico Mundial andavam mais preocupados em gerar valor para os acionistas.

O ativismo geracional, a ascensão do ESG como novo parâmetro de sucesso empresarial, o capitalismo de stakeholders e o desafio comum de enfrentar emergência climática representam uma nova realidade, produto das aspirações das pessoas e das sociedades no século 21.

Apesar de tão impressionante conjugação de fontes de pressão, o fato é que a sustentabilidade só será um processo transformador se ocorrer, ao mesmo tempo, na gestão, na estratégia, na cultura e na marca das empresas. A experiência de 25 anos no tema me autoriza a ir direto ao ponto: ou a empresa aceita o desafio estruturante de mudar, na essência, o modo de pensar e fazer negócios, algo que exige coragem, desapego e propósito, ou mudança, qualquer que seja, não será notada.

Deixe-me ser mais específico. Falar em empresa parece algo amplo e vago. Tratemos mais diretamente daqueles que, na empresa, têm o poder e a responsabilidade de escolher um novo jeito de pensar e fazer negócios: CEOs, investidores e Conselho de Administração.

O modelo do business as usual concentra demasiado poder nas mãos do CEO, o que leva ao endeusamento de indivíduos falíveis, e, entre outras excrescências, ao pagamento de remunerações variáveis escandalosas. Não creio que o CEO seja o único responsável por inserir sustentabilidade numa empresa. Mas também não vejo como avançar nessa tarefa sem a sua direta intervenção, até porque sustentabilizar uma companhia não se dá de modo natural, exige um processo específico. Cabe, portanto, ao principal líder da empresa chamar a atenção dos gestores para a importância do tema, transformá-lo em driver de planejamento estratégico, cobrar de seus diretores a identificação dos grandes impactos socioambientais e a seleção de medidas para compensá-los, minimizá-los ou eliminá-los.

Sustentabilidade pressupõe objetivos, metas, indicadores, cronogramas, orçamento e remuneração variável por resultados. Isso explica porque, no Brasil, apesar de duas décadas de discussão, poucas empresas avançaram para além do óbvio na gestão e, menos ainda, inseriram o tema na estratégia para além das demandas específicas de índices, ratings e protocolos de mercado.

Se quiserem sair do discurso confortável para a prática efetiva, as companhias terão de escolher os seus CEOs –e também avaliar, premiar e punir — não mais com base em sua capacidade de gerar resultado a qualquer custo, mas de produzir lucro legítimo em benefício das pessoas e do meio ambiente. Um bom começo, a meu ver, pode ser testar o conhecimento básico e o valor pessoal atribuído ao conceito. Não contrataria, por exemplo, um CEO que reduz sustentabilidade a tema ambiental nem que deliberadamente –acredite há muitos espalhados por aí– afirme “não gostar” ou “não entender nada” de sustentabilidade.

Na condição de guardião dos interesses dos sócios e investidores, zelador do valor dos ativos da empresa e interface com o CEO e gestores, o Conselho de Administração joga um papel fundamental nesse processo. Mais do que fiscalizar a execução das estratégias, ou avaliar o teor dos resultados, um CA pode fazer enorme diferença em sustentabilidade sendo o proponente e animador da agenda.

Neste ponto, felizmente, há motivos para otimismo. Com a ascensão global dos aspectos de ESG, promovida pelos investidores, os conselhos têm respondido de forma cada vez mais pró-ativa. Sustentabilidade, ao que parece, entrou para valer na pauta. Antes subestimados, os riscos socioambientais passaram a merecer mais atenção e cuidado. Antes desatento ás demandas da sociedade, o mesmo capital que empodera os conselhos começa a compreender que ele não se mais se justifica quando a empresa, em vez de ser parte da solução, insiste em seguir sendo parte do problema de uma economia intensiva no uso de recursos humanos, de recursos naturais e de emissões de gases de efeito estufa.

Nunca é demais oferecer ao leitor um exemplo da vida real. Há não mais do que cinco anos era indisfarçável o desinteresse por sustentabilidade nos Conselhos. A maioria dos seus integrantes aproveitava para ir ao banheiro ou retornar a ligação do celular na hora da apresentação dos resultados socioambientais. Poucas perguntas. E triviais. Nenhuma preocupação com riscos, apesar da alta probabilidade em alguns casos.

Os tempos são outros. E talvez o melhor exemplo disso seja o meu lugar de fala nesse tipo de reunião. Deixei de ser um convidado esporádico para assumir, como membro independente, representação em Comitês de Sustentabilidade (uma instância nova e cada vez mais requisitada) cuja função é apoiar, com dados, análises e pareceres, as tomadas de decisão dos Conselhos de Administração. A mudança pró-sustentabilidade está em curso. Só nos resta ficar atento a ela.

*Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável, consultor master, escritor, palestrante e conselheiro de empresas. Criador da Plataforma Liderança com Valores, escreveu dez livros, entre os quais “Conversas com Líderes Sustentáveis” (SENACSP/2011). É professor da Fundação Dom Cabral e do ISAE-FGV.