ABRH Brasil

Por Roberto Aylmer*

Embora o começo do ano seja conhecido pela renovação das esperanças, a essa altura já devem ter ido para o espaço as promessas de dieta, academia e não brigar por coisa fútil; e você já percebeu que não será tão simples cumprir o que prometeu. Mudança não é algo simples, pelo contrário, ela nasce da morte ou destruição de algo estabelecido e nesse espaço de incerteza é que nasce o novo. Nem romântica nem pacífica, a mudança é dramática. Então quero fazer três reflexões:

  1. Olhe em volta e você vai ver que as certezas estão derretendo: não derreta junto!

Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, falecido em 2017, se notabilizou pelo estudo sobre a sociedade pós-moderna e cunhou o conceito de “sociedade líquida”, uma impactante metáfora para a velocidade das mudanças e a efemeridade dos conceitos como casamento, amor, valores e vida em sociedade. Segundo Bauman, a mesma velocidade de consumo que lubrifica a inovação “joga areia” nas engrenagens da moralidade.

De forma semelhante, no contexto organizacional vemos uma relação cada vez mais líquida e o afrouxamento do que deve ser feito em prol do bem comum. Em outras palavras, há um movimento evidente de levar em conta interesse individual mesmo que o custo coletivo seja maior, mas a conta vem pra todos.

Há um movimento evidente de levar em conta interesse individual mesmo que o custo coletivo seja maior

Um exemplo simples você deve ter experimentado no almoço de final de ano. Sua turma do trabalho (ou o pessoal da faculdade) marcou o encontro naquele restaurante que você tanto gosta. Você tinha pensado em pedir uma salada Caesar para economizar no bolso e nas calorias, mas quando chegou o pessoal já estava tomando uma caipirinha. Quando o garçom chegou para os pedidos, a pessoa ao seu lado pediu um prato de camarão ao catupiry. Rapidamente você pensou na salada, mas pagar parte daquele prato quando fosse dividir a conta, então escolheu bacalhau com batatas ao murro e uma caipi-saquê para animar. Almoço maravilhoso para todos até chegar a conta. Pensando inicialmente em gastar até 40 reais, sua parte ficou 180, o que quebrou o seu orçamento e a sua dieta. O pensamento no interesse pessoal sem considerar o custo coletivo tem consequências na linha do tempo.

O estudo da Maturidade do Raciocínio Ético de uma empresa (ou áreas da empresa) ajuda a entender o critério que as pessoas usam para a tomada de decisão. Se eu faço o que é correto só quando tem alguém controlando ou há risco de punição (estágio mais primitivo) ou se faço o que é correto mesmo que me prejudique (estágio mais avançado) determina a verdadeira sustentabilidade de uma liderança. Vencer a tentação do “caminho largo” e escolher o caminho correto (que sempre é mais estreito) é um antídoto para não derreter junto com a sociedade líquida.

Em palavras simples: você pode escolher a semente que vai plantar, mas só vai colher o que plantou.

  1. Olhe para o lado: quem precisa de você?

Na luta pela sobrevivência perdemos a clareza do que realmente importa. O curto prazo da arena faz com que cada “eu” veja quem está ao meu lado como o leão que preciso vencer, mas não percebe que “eu” sou o leão para o outro.

Numa dinâmica com um grupo de quase 200 gerentes, fizemos a simulação de uma ilha que estava afundando a cada rodada e as pessoas precisavam “subir” na ilha quando ouvissem o grito “tubarão”. Entretanto, duas pessoas não poderiam ficar no mesmo pedaço de ilha (uma folha).

No contexto líquido, pessoas que mantêm seus valores sob pressão conquistam um capital moral valioso

Bom, é simples imaginar o que aconteceu: quando eu gritava tubarão, as pessoas jogavam as outras para o tubarão até que chegava a vez delas. Uma das menores gerentes tinha uma técnica de “eliminar concorrentes” muito interessante. Ela chegava rápido e dava uma trombada violenta com o quadril e ocupava a ilha do “eliminado”. Entretanto, quase no final da dinâmica, um dos gerentes mais pesados fez o mesmo que ela e, numa cadeirada radical, arremessou aquela gerente pra longe da ilha. Ela ficou indignada e reclamou da violência. Na discussão que fizemos eu a confrontei dizendo que ela tinha feito o mesmo com outros colegas e ela disse: “mas eu fiz pra sobreviver”. Interessante entender o que passa na cabeça dessa gerente: “quando estou ameaçada eu posso fazer coisas que prejudicam meus pares e isso é aceitável. Quando alguém me ataca e me prejudica isso é inaceitável, não importa o motivo que o outro tenha para agir assim”. São dois pesos e duas medidas.

No contexto líquido, pessoas que mantém seus valores sob pressão conquistam um capital moral valioso para construção de relações e resultados.

  1. Olhe para dentro de você: qual a sua taxa de mudança pessoal?

Uma das frases mais impactantes atribuídas a Jack Welch é: “se a taxa de mudança interna for menor que a taxa de mudança externa, o fim está próximo”. Nada mais verdadeiro. Somos comparados com o nosso entorno.

Um exemplo que vai te ajudar a entender o risco embutido nessa frase: sabe aquele chefe ultrapassado, que você não entende como ainda está na posição e que se sair tem festa na empresa? Possivelmente um dia ele foi motivado e bem-sucedido como você. Então, o que aconteceu para que ele parasse de crescer e se desenvolver?

 Não conheço ninguém relevante que tenha uma vida autocentrada

Primeiro é importante entender que esse chefe não se acha jurássico e estagnado como você (e o resto da empresa) o veem. Ele se considera um líder maduro e muito experiente. Isso é semelhante às doenças silenciosas, como a hipertensão e o diabetes (as que mais matam), que não têm sintomas, logo, o paciente não se apega ao tratamento.

O sucesso nos faz arrogantes e nos deixa com uma confiança infundada de que a forma como resolvíamos problemas no passado será suficiente para lidar com os desafios deste novo contexto.

Em segundo lugar, o chefe colhe o que plantou: quanto mais ele sobe, mais as pessoas falam o que ele quer ouvir, e não o que precisa ouvir. Assim, ele fica preso numa bolha de autoengano que vai estourar numa grande frustração.

E por último, ele só olha para si. Não conheço ninguém relevante que tenha uma vida autocentrada. Até os 30/35 anos entendo a necessidade de se estabelecer e ganhar dinheiro. Mas após os 45/50, viver com a mesma atitude de um gladiador na arena é apequenar a vida e o meu propósito. Se a dinâmica do primeiro estágio é baseada na sobrevivência competitiva, após os 45/50 a bússola se volta para servir as pessoas e propósitos maiores do que seu interesse pessoal.

Considerando as duas pás de uma hélice, a competição e o serviço se equilibram para construir resultados sem destruir as relações, alcançar uma posição elevada com as pessoas e não sobre as pessoas e, por fim, deixando para seus filhos e pessoas próximas um legado que se estende além do seu tempo de trabalho ou seu tempo de vida.

É bom lembrar isso: não se constrói valor destruindo valores. Servir as pessoas é o nível mais alto da maturidade ética e foi tema de uma conversa entre Jesus e seus discípulos que disputavam a preferência do mestre, e Ele disse: “no mundo os mais fortes dominam os mais fracos, mas que não seja assim entre vocês. Os maiores sirvam os menores”.

A maior evidência da taxa de mudança interna não é um curso ou uma nova ferramenta gerencial, mas sim a mudança do mindset competitivo para um propósito de servir. Isso não acontece sem uma decisão perseverante de ser um líder e deixar um legado. Servir é a próxima fronteira da liderança e é para os fortes.

Roberto Aymler
*Roberto Aylmer é médico, professor internacional da Fundação Dom Cabral e consultor em Gestão Estratégica de Pessoas/Foto: Divulgação